Como alimentar um cérebro universitário (sem depender de um pacote de Ruffles)
- Comunicação CoLAB
- 29 de mai.
- 4 min de leitura
Por: Ana Carolina Pérez - Psicologia e Neurociência; Laura Gomes - Psicologia | PUC-Rio

Imagine que você é um estudante universitário. (Talvez não precise imaginar muito.) Você acorda com o despertador gritando, aperta “soneca” duas vezes, toma um gole de café e corre para a aula com o estômago vazio e o cérebro em modo zumbi. Almoço? Só depois de duas aulas seguidas e uma fila de 40 minutos no bandejão. Lanche da tarde? Coca-Cola e um salgado, porque era o mais rápido, o mais barato — e o mais perto da sua sala. Se você já viveu algo assim, parabéns: você é parte da população-alvo deste estudo.
Ana Carolina Pérez Fernández, estudante de Neurociências da PUC-Rio, decidiu olhar para esse cenário com algo mais afiado que a fome: método científico. O resultado? Um projeto de monografia que não só mapeia a oferta alimentar do campus e arredores, como também desafia a ideia de que comer mal é uma escolha individual, e não uma consequência de um ambiente inteiro estruturado para isso.
O que se come quando se está com pressa (e com pouca grana)?
A pesquisa de Ana Carolina começou com uma pergunta: o que é que tem pra comer na PUC-Rio?
Com a crescente relevância do tema entre os universitários da PUC-Rio, alunos do CoLAB se movimentaram para tentar entender o fenômeno em conjunto. O grupo percorreu todos os estabelecimentos alimentares do campus e do seu entorno, tirando fotos de cardápios e registrando preços. Ana classificou os alimentos segundo seu grau de processamento — de comidas in natura a ultraprocessados com nomes que parecem saídos de um laboratório (glutamato monossódico, o que?).
Além disso, ela consultou as grades horárias de todos os cursos de graduação da universidade, para entender se os alunos tinham tempo — e não apenas vontade — de fazer uma refeição decente no horário do almoço. Spoiler: nem sempre.
O que temos para comer?
Cerca de 73.2% das comidas e 65.8% das bebidas são ultraprocessadas. E os alimentos ultraprocessados (salgados e sanduíches) são, na média, mais baratos que os alimentos processados (pratos de comida).

Os estabelecimentos dentro da PUC-Rio apresentam um menor nível de ultraprocessados que os externos ao campus, com atenção especial para o caso do restaurante universitário, o Bandejão, como pode ser visto no mapa abaixo.

Mas e o almoço? Existe?
A resposta curta: depende do seu curso.
A pesquisa descobriu que, de 14 cursos consultados, apenas um prevê pausas formais para o almoço na sua grade curricular: o de Nutrição. Isso significa que, mesmo que houvesse comida saudável, acessível e barata por ali, muitos alunos simplesmente não teriam tempo para comê-la. Ou seja: não é só sobre o que se come, mas quando se come — e o corpo humano, ao contrário das máquinas de venda automática, não funciona bem no modo “pular refeição”.
O que a ciência sabe sobre ultraprocessados (e o que a gente insiste em ignorar)
Já sabemos que os alimentos ultraprocessados são ricos em sódio, açúcares, gorduras ruins e aditivos com nomes que a gente mal consegue pronunciar. Também sabemos que eles estão associados a inflamação, doenças metabólicas, prejuízos cognitivos e alterações na microbiota intestinal. O que não sabíamos é que eles representam mais de 70% das opções alimentares vendidas na melhor universidade privada do país. Isso mesmo: sete em cada dez comidas disponíveis para seus estudantes são ultraprocessadas.
Entre as bebidas, o número também assusta: quase 66% são dessa mesma categoria. E mais: as comidas ultraprocessadas são as mais baratas. Já as bebidas ultraprocessadas, ironicamente, são as mais caras — mas, ainda assim, mais disponíveis que as naturais.
Isso revela um paradoxo cruel: quanto mais rápido, prático e barato for o alimento, maior a chance de ele ser prejudicial à saúde. E, se esse é o cardápio do dia a dia, não é difícil entender por que tantos jovens adultos começam a vida com hábitos alimentares que sabotam sua saúde a longo prazo.
Por que isso importa (e muito)?
Porque a juventude é um momento-chave na formação de hábitos que se estendem por décadas. Porque doenças crônicas não transmissíveis — como diabetes, hipertensão e depressão — são moldadas por escolhas alimentares feitas ao longo da vida. E porque culpar o estudante por suas escolhas alimentares, sem olhar para o ambiente que o cerca, é tão útil quanto dizer que alguém com dor de cabeça deveria “parar de senti-la”.
Ana nos convida a mudar o foco: de uma visão individualista para uma perspectiva ambiental e estrutural da alimentação. Sua pesquisa é um lembrete (e um puxão de orelha) de que a universidade é um espaço de formação — inclusive da saúde. E de que, talvez, uma aula sobre neurotransmissores precise ser precedida por uma banana e não por um biscoito recheado.
E agora?
Esse mapeamento é só o começo. Ele dá base para discutir intervenções possíveis: subsídios e programas de fidelidade para restaurantes saudáveis, reformulação de grades horárias, mais bebedouros e micro-ondas para marmitas, stands de frutas, maior regulação dos alimentos vendidos no campus... Enfim, ideias não faltam.
O que falta, às vezes, é parar para pensar que comer é um ato político, fisiológico e social. E que a gente merece ambientes que tornem o saudável a escolha mais fácil — e não a mais cara, a mais distante ou até uma escolha impossível.
Texto baseado na Monografia de Ana Carolina Pérez:
“O que faz o comportamento? Mapeando opções alimentares e desafiando as amarras biológicas dos ultraprocessados - O papel do ambiente universitário”
Adaptado por:
Laura Gomes e Patrícia Bado
Nota:
Partes deste texto foram geradas com suporte do modelo de linguagem ChatGPT, da OpenAI, e revisadas por Laura Gomes e Patrícia Bado. As opiniões e ideias expressas são de autoria humana.
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