Além da Comida: A Teia Interconectada de Cultura, Evolução e Neurociência no Comportamento Alimentar
- Comunicação CoLAB
- 10 de out. de 2024
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Por: Júlia Dias | Neurociência, PUC-Rio

Já se sabe que o “comer” é uma grande referência de elemento cultural, desde a feijoada até o almoço de domingo; o que comemos, quando e porque impactam diretamente na nossa saúde e produtividade. Esses fatores são facilmente associados à cultura no senso comum, entretanto o comportamento alimentar de uma nação, uma comunidade ou até de um indivíduo vai muito além disso. Ele é moldado por vários aspectos diferentes que funcionam em conjunto para formar o que conhecemos hoje, sendo que nenhum deles é exclusivamente determinante. Então, para conhecer o comportamento alimentar da maneira mais completa possível, é necessário também analisar seus princípios de natureza evolutiva, neurofisiológica, epigenética, e sociocultural.
Nessa perspectiva, quando se trata de evolução, Wells (2006) destaca que a tendência de acumular gordura dos hominídeos é significativamente maior do que de outros mamíferos que conviviam no mesmo ambiente. Isso pode indicar que nosso padrão de alimentação era mais instável e marcado pelas estações do ano. Logo, a busca por alimento era repleta de incertezas, exigindo esse acúmulo para manter a sobrevivência nos períodos de escassez. Ademais, a essa altura da evolução nossos antepassados já apresentavam o sistema nervoso centralizado e um maior encéfalo que o dos demais, sendo esse um órgão complexo que naturalmente demanda mais energia, que seria garantida no aumento do tecido adiposo, sendo essa uma característica adaptativa para a nossa espécie.
Entretanto, esse acúmulo de gordura característico, ao ser associado a outros fatores, pode levar à obesidade, que se tornou um dos principais dilemas de saúde pública atuais. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/2019) 96 milhões de pessoas sofrem com a doença no Brasil, o que vem crescendo com o passar dos anos. Estudos também têm buscado uma correlação entre o estresse (aumento de cortisol) e a busca por alimentos “reconfortantes”, ricos em gordura e açúcar, que vão resultar no aumento de tecido adiposo (Finch, Tiongco-Hofschneider & Tomiyama, 2019); tendo em vista a tendência ao aumento de estresse e ansiedade, traçar esse paralelo com a alimentação induzida por estresse permite uma abordagem mais ampla, por novas perspectivas.
Assim, a influência da neurofisiologia do sistema nervoso central (SNC) e seus mecanismos de “gostar” e “querer” no comportamento alimentar instiga a busca e a escolha dos alimentos. Deve-se destacar a coexistência desses processos independentes, que fogem dos sentidos populares designados a essas palavras; nesse contexto o “querer” está relacionado à relevância do estímulo, consciente ou não, que desencadeia uma resposta motivacional e pode gerar uma antecipação do estímulo e, consequentemente, um comportamento; isso pode estar vinculado à circuitaria mesocorticolímbica. Já o “gostar” refere-se ao impacto prazeroso da recompensa, relacionado a regiões como o núcleo accumbens e córtex orbitofrontal (Morales & Berridge, 2020).
Além disso, histórico familiar, diferenças culturais, ambiente em que se está inserido, doenças, atuais ou prévias, e costume de praticar atividade física também são aspectos relevantes quando se observa um contexto de comportamento alimentar e, especialmente, suas consequências; isso porque estudos de epigenética indicam que os componentes ambientais podem favorecer ou reprimir expressões gênicas, de doenças por exemplo (Aristizabal et al., 2020).
Deve-se destacar também que somado aos fatores evolutivos, epigenéticos e fisiológicos, cotidianamente somos afetados por questões sociais, como padrões estéticos, propagandas alienantes e discursos pseudocientíficos sobre saúde, que formam um cenário ainda mais propício à psicopatologias, distúrbios alimentares e de imagem (Chisuwa et al., 2010), que impactam ou são impactados pelo comportamento alimentar, assim como o Nível Socioeconômico (NSE) interfere nas escolhas alimentares dos indivíduos.
Por fim, fica nítido que assim como qualquer comportamento humano, o alimentar tem diversos aspectos e motivações que explicam esse mecanismo, suas variáveis e suas alterações em um contexto abrangente, que vai além do indivíduo.
REFERÊNCIAS:
Aristizabal, M. J., Anreiter, I., Halldorsdottir, T., Odgers, C. L., McDade, T. W., Goldenberg, A., ... & O’Donnell, K. J. (2020). Biological embedding of experience: a primer on epigenetics. Proceedings of the National Academy of Sciences, 117(38), 23261-23269.
Chisuwa, N., & O’Dea, J. A. (2010). Body image and eating disorders amongst Japanese adolescents. A review of the literature. Appetite, 54(1), 5-15.
Morales, I., & Berridge, K. C. (2020). 'Liking' and 'wanting' in eating and food reward: Brain mechanisms and clinical implications. Physiology & behavior, 227, 113152. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32846152/
Wells, J. C. K. (2006). The evolution of human fatness and susceptibility to obesity: an ethological approach. Biological Reviews/Biological Reviews of the Cambridge Philosophical Society, 81(2), 183–205. https://doi.org/10.1017/s1464793105006974
“Todos precisam agir”: 04/3 – Dia Mundial da Obesidade | Biblioteca Virtual em Saúde MS. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/todos-precisam-agir-04-3-dia-mundial-da-obesidade/#:~:text=No%20Brasil%2C%20dados%20da%20Pesquisa,que%20determine%20preju%C3%ADzos%20%C3%A0%20sa%C3%BAde.>.
FINCH, Laura E.; TIONGCO-HOFSCHNEIDER, Lauren; TOMIYAMA, A. Janet. Stress-induced eating dampens physiological and behavioral stress responses. In: Nutrition in the prevention and treatment of abdominal obesity. Academic Press, 2019. p. 175-187.
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