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Saúde Mental ampliada: uma nova perspectiva sobre o suicídio

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    Comunicação CoLAB
  • 10 de out. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 10 de out. de 2024

Por: Laila Emanuelle | Psicologia, PUC-Rio


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Quando falamos sobre saúde mental, muitas vezes focamos nas doenças, como depressão e ansiedade, como se fossem a única explicação para o sofrimento humano. Mas e se a questão for muito mais ampla? Talvez seja hora de pararmos de tratar os transtornos mentais como o centro exclusivo da discussão e começarmos a pensar nos contextos sociais, econômicos e culturais que impactam nossa saúde emocional. O suicídio, por exemplo, é um dos temas que mais expõem a necessidade de uma abordagem mais completa. É um fenômeno multifatorial, complexo, e - infelizmente - está crescendo no Brasil, especialmente entre adolescentes e homens idosos. O desafio é ir além da doença mental e pensar em todos os elementos que contribuem para esse aumento assustador.


Saúde Mental: muito além da doença


Você já parou para pensar que saúde mental não é apenas "não ter depressão"? A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar em que uma pessoa consegue lidar com os desafios da vida, trabalhar produtivamente e contribuir para sua comunidade. Ou seja, não é sobre estar feliz o tempo todo, mas sim sobre ter resiliência, suporte social e espaço para crescer como ser humano. Por isso, quando falamos de saúde mental, não podemos nos limitar aos transtornos. Precisamos incluir fatores como condições de vida, trabalho, relacionamentos e como tudo isso influencia o nosso bem-estar emocional. A verdadeira saúde mental é sobre contexto, não só diagnóstico.


O fenômeno complexo


Quando o assunto é suicídio, as causas são ainda mais diversas e profundas. Ele não é apenas resultado de uma doença mental. Envolve uma teia de sentimentos como isolamento, perdas, dificuldades financeiras e questões culturais. Por isso, o suicídio precisa ser visto como um fenômeno multifatorial, exigindo uma abordagem mais ampla.


O suicídio é responsável por mais de 700 mil mortes ao ano no mundo. No Brasil, os números não param de subir, com um aumento de 43% nas últimas duas décadas. Os homens mais velhos e os jovens entre 15 e 29 anos são os grupos mais vulneráveis (OMS; Ministério da Saúde). Fatores como pobreza, desigualdade, discriminação e exclusão social desempenham um papel crucial. Por exemplo, a população indígena no Brasil apresenta taxas de suicídio bem mais altas, devido, em parte, ao isolamento cultural e à falta de acesso a cuidados de saúde. Entre os homens idosos, a aposentadoria pode ser um fator crítico, frequentemente associada à perda de propósito e vínculos sociais. Nesse grupo, a taxa de suicídio é a mais alta, com 18,1 mortes por 100 mil habitantes. Os sinais de alerta costumam ser mais sutis, como a recusa em se alimentar ou seguir tratamentos médicos, o que dificulta ainda mais a prevenção. Esses números mostram que não podemos ver o suicídio apenas sob a lente do indivíduo. Precisamos de uma visão mais coletiva, uma compreensão do contexto social em que isso ocorre.


O Setembro Amarelo, tradicionalmente voltado à conscientização sobre a prevenção do suicídio, tem sido amplamente promovido como uma iniciativa de impacto. Contudo, estudos recentes questionam sua real eficácia, levantando a possibilidade de que, em certos casos, a campanha não atinja os resultados esperados e possa até gerar efeitos adversos. Isso nos convoca a adotar uma postura mais crítica e reflexiva sobre tais iniciativas, reavaliando suas abordagens e buscando um estudo mais aprofundado, para garantir que elas efetivamente promovam bem-estar e não intensifiquem o sofrimento daqueles em situação de vulnerabilidade.


Como podemos prevenir?


Prevenir o suicídio vai muito além de identificar e tratar transtornos mentais; é necessário criar redes de apoio, programas comunitários e políticas públicas que considerem a integralidade do ser humano. Por exemplo, a promoção do bem-estar emocional nas escolas e no ambiente de trabalho, aliada à oferta de atividades de lazer e práticas que favoreçam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, pode ser uma forma eficaz de prevenção. Incentivar uma convivência comunitária saudável, com espaços públicos adequados para interação e lazer, também pode gerar ambientes propícios para o apoio mútuo e o fortalecimento de vínculos.


Falar sobre suicídio de forma aberta e cuidadosa é fundamental, onde uma conversa aberta pode ser uma oportunidade de aliviar a angústia de quem está sofrendo. Amigos, familiares e profissionais de saúde têm um papel essencial em criar um ambiente seguro para essas discussões, por isso comentários como: "isso é falta de Deus", "só quer chamar atenção", "para de ficar trancado(a) no quarto" ou "eu já passei por coisas piores e não me matei" são prejudiciais e afasta quem está sofrendo. O suicídio é, muitas vezes, um ato de desespero, de quem já não enxerga alternativas para enfrentar a dor.


Uma visão ampliada da saúde mental nos permite ver o suicídio como um problema de saúde pública que vai além da doença. Para combater isso, precisamos de estratégias de prevenção que atuem em vários níveis: individual, familiar, comunitário e institucional. Se quisermos realmente reduzir esses números assustadores no Brasil, devemos olhar para o contexto social em que vivemos e investir em políticas públicas que promovam o bem-estar para todos.


A prevenção ao suicídio não é responsabilidade apenas dos profissionais de saúde; é um projeto de sociedade que valorize a vida, as relações, o suporte social e a promoção de uma vida digna e equilibrada para todos. Afinal, saúde mental é muito mais do que não estar doente - é viver plenamente, apesar das dificuldades.


E você? Como tem cuidado da sua saúde mental hoje?



REFERÊNCIAS:

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